Luís Arthur Brasil Gadelha Farias1,2*, Leonardo Nogueira Meireles2,3, Jacó Ricarte Lima de Mesquita2,  Lisandra Serra Damasceno 2


1. Programa de Residência Médica, Escola de Saúde Pública (ESP/CE)    
2. Hospital São José de Doenças Infecciosas (HSJ)    
3. Programa de Residência Multiprofissional em Saúde, Escola de Saúde Pública (ESP-CE)

Introdução

A doença conhecida como novo coronavírus ou Covid-19, causada pelo vírus SARS-COV-2, foi inicialmente descrita na China, na província de Wuhan, em 2019 [1]. Com o avanço da doença, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia em 11 de Março de 2020, sendo o coronavírus uma emergência global [2]. Em 2021, a doença persiste assolando o globo, estando seu controle sujeito a medidas de prevenção, como uso de máscaras de proteção, vacinação, distanciamento social, entre outras. 

A doença apresenta uma miríade de manifestações, desde casos leves, como uma síndrome gripal, até casos graves, como a síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e óbito [1]. O avanço no conhecimento desta patologia foi exponencial, com os olhos do mundo voltados para a Covid-19. Complicações relacionadas direta ou indiretamente à Covid-19 têm sido descritas no sistema cardiovascular, hematológico, oftalmológico, gastrointestinal e neurológico [3]. Desde o início da pandemia, o risco do novo coronavírus complicar através de patologias fúngicas tem sido descritas[4]. O presente trabalho visa ilustrar o caso de um paciente internado com Covid-19, complicada por Aspergilose, no Hospital São José de Doenças Infeccisoas (HSJ), com foco na caracterização microbiológica. O estudo foi conduzido através da revisão de prontuário e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São José de Doenças Infecciosas (HSJ) (CAAE 35017820.1.0000.5044).


 

Relato de Caso

Paciente do sexo feminino, de 47 anos, procedente de Itaitinga-CE, previamente diabética e hipertensa, deu entrada com quadro de adinamia, hiporexia, dispneia, desorientação e sonolência. Ao exame físico admissional, destaca-se o uso de musculatura acessória, frequência respiratória maior que 30 e saturação de oxigênio de 85% em ar ambiente. Devido à franca insuficiência respiratória, foi optado pela intubação orotraqueal com ventilação mecânica, iniciado terapêutica antibiótica empírica com ceftriaxona 2g/dia e azitromicina 500mg/dia para infecção secundária, associada à dexametasona 20mg/dia, e solicitado transferência para Unidade de Terapia Intensiva (UTI). 

Durante o internamento, a paciente evoluiu com descontrole glicêmico, necessitando de terapêutica com bomba de insulina. Optou-se por pronação, em mais de um momento, devido à manutenção do índice de oxigenação menor que 150, porém sem resposta satisfatória. Após 25 dias de internamento, a paciente persistia com desmame difícil da ventilação mecânica e sinais de piora clínica, estando bastante secretiva pelo tubo e com episódios febris. Ao ser realizada a aspiração traqueal, houve crescimento de Acinetobacter baumannii, sensível apenas à gentamicina (MIC<=1) (1ª amostra) e Aspergillus sp. (2ª amostra). Swab retal para VRE resultou positivo. Swab retal para KPC resultou negativo. Urinocultura revelou crescimento de Candida krusei e Candida tropicalis. Realizado escalonamento antibiótico, porém, a paciente evoluiu com choque séptico e parada cardiorrespiratória, com desfecho fatal.

Cultura em Ágar Sabouraud do aspirado traqueal revelou crescimento de colônias fúngicas de textura aveludada, tornando-se pulverulenta com a produção de esporos de cor castanho-esverdeada (Figure 1A). Visualização ao microscópio direto com coloração Lactofenol Azul-algodão (400x) revelou a presença de fungos filamentosos hialinos de hifas septadas e ramificadas dicotomicamente, com presença da clássica cabeça aspergilar (Figura 1B-D).

 

Discussão e Conclusão

O presente caso ilustra uma paciente grave acometida por Covid-19 complicada por micoses sistêmicas com evolução fatal. Pacientes graves, especialmente aqueles internados em ambiente de UTI e/ou imunocomprometidos, têm maior probabilidade de sofrer de micoses invasivas [4]. Infecções por Aspergillus e Candida têm sido frequentemente descritas, exigindo um alto nível de suspeição clínica e detecção precoce para tratamento e prevenção de complicações [5]. Lai C et al. Uma revisão recente sobre aspergilose pulmonar em pacientes com o novo coronavírus concluiu que a infecção pode ocorrer em pacientes com Covid-19 sem fator de risco definido [6]. Existem até o momento 34 casos relatados de Covid-19 complicada por aspergilose pulmonar, dos quais nenhum foi registrado no Brasil [6]. O voriconazol foi o agente antifúngico mais comumente usado, seguido de caspofungina, isavuconazol e lipossomal anfotericina. No entanto, oito pacientes (23,5%) não receberam qualquer agente antifúngico[6]. O agente de escolha para tratamento geralmente é o voriconazol, porém o clínico deve estar atento ao risco de toxicidade cardíaca e interações medicamentosas.

Pacientes complicados com Aspergillus sp. aparentam ter alta mortalidade, revelando um prognóstico ruim com frequência. Dos 34 casos publicados, foram descritos 22 óbitos, havendo, portanto, letalidade de 64,7%[6]. Embora trate-se de uma complicação incomum e ainda pouco descrita na literatura, o presente artigo reforça a necessidade de alta suspeição clínica para evitar desfechos desfavoráveis. A realização precoce de galactomanana e cultura fúngica de espécimes respiratórios pode auxiliar no diagnóstico precoce. Mais estudos clínicos são necessários para compreender totalmente a implicância desta afecção no Covid-19. 

 

Referências:

1. Huang C, Wang Y, Li X, Ren L, Zhao J, Hu Y, et al. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. Lancet. 2020 Feb;395(10223):497-506. DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30183-5.

2. World Health Organization (WHO). Discurso de abertura do Diretor-Geral da OMS na conferência de imprensa sobre COVID-19, realizada em 11 de março de 2020 [Internet]. Genebra: WHO; 2020; [acesso em 2020 mar 26]. Disponível em: https://www.who.int/es/dg/ speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-oncovid-19---11-march-2020.

3.  Paybast S, Emami A, Koosha M, Baghalha F. Novel Coronavirus Disease (COVID-19) and Central Nervous System Complications: What Neurologist Need to Know. Acta Neurol Taiwan. 2020 Mar 30;29(1):24-31.

4. Song G, Liang G, Liu W. Fungal Co-infections Associated with Global COVID-19 Pandemic: A Clinical and Diagnostic Perspective from China. Mycopathologia. 2020 Aug;185(4):599-606. doi: 10.1007/s11046-020-00462-9.

5. Koehler P, Cornely OA, Böttiger BW, et al. COVID-19 associated pulmonary aspergillosis. Mycoses. 2020;63(6):528-534. doi:10.1111/myc.13096.

6. Lai CC, Yu WL. COVID-19 associated with pulmonary aspergillosis: A literature review. J Microbiol Immunol Infect. 2021 Feb;54(1):46-53. doi: 10.1016/j.jmii.2020.09.004. 


 

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Figura 1. A. (Ágar Sabouraud) Múltiplas colônicas fúngicas aveludadas, de aspecto acastanhado, sugestivas de Aspergillus sp.  B-D. Lactofenol Azul-algodão (400 x) Presença de fungos filamentosos com hifas hialinas septadas e cabeça aspergilar