Ylana Mara Santiago Galdino Portela1*, Natália Arruda da Ponte Lopes1, Robério Dias Leite2,3, Michelle Rodrigues Pinheiro4,5, Renata Borges de Vasconcelos6, Gláucia Maria Lima Ferreira2.
1. Médica Pediatra do Programa de Residência Médica em Infectologia Pediátrica da Escola de Saúde Pública (ESP/CE), Fortaleza, Ceará, Brasil. 2. Hospital São José de Doenças Infecciosas (HSJ), Fortaleza, Ceará, Brasil. 3. Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, Ceará, Brasil. 4. Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), Fortaleza, Ceará, Brasil. 5. Instituto Doutor José Frota (IJF), Fortaleza, Ceará, Brasil. 6. Doutoranda em Saúde Coletiva pelo Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva (PPSAC) da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza, Ceará, Brasil.
INTRODUÇÃO
Em dezembro de 2019, um novo coronavírus foi identificado na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China. Este vírus rapidamente provocou uma epidemia em todo o país chinês e, em curto intervalo de tempo, se espalhou pelo mundo, trazendo um cenário global de incertezas e medo.1
O SARS-CoV2, causador da doença Covid-19, é o sétimo coronavírus conhecido que acomete humanos. Pertencente à família Coronaviridae, trata-se de um vírus de ácido ribonucléico (RNA) envelopado, com alta virulência e transmissibilidade, sendo responsável por uma Síndrome Respiratória Aguda Grave de alta letalidade.1,2
No Brasil, o primeiro caso foi confirmado em fevereiro de 2020 e selou uma das maiores pandemias já existentes. A pandemia da Covid-19 representou, desde a pandemia de influenza A H1N1, em 1918, a ameaça mais grave à saúde pública.3
As crianças são vulneráveis à infecção por SARS-CoV-2 e, geralmente, apresentam sintomas mais leves que os adultos, com raros casos de morte. 4
Embora várias pesquisas estejam em andamento, incluindo a testagem de medicamentos que possam tratar com segurança a Covid-19, até o momento não há uma terapêutica específica voltada para a doença, o que nos leva a manter as medidas preventivas para evitar a contaminação e disseminação dela.1 Agências governamentais também fomentaram medidas para contenção da transmissão do SARS-CoV-2 que incluíram o fechamento de estabelecimentos, intensificação dos cuidados com a saúde, quarentenas e o impedimento de aglomerações de pessoas.3
A história da Covid-19 ainda está sendo escrita. A difusão de conhecimentos sobre a doença no contexto global se torna urgente. Este estudo tem por objetivo realizar uma revisão narrativa acerca das manifestações clínicas, diagnóstico, tratamento e prognóstico de crianças acometidas pela Covid-19, dada à importância do conhecimento destas informações para o alcance de um melhor manejo clínico e prognóstico do paciente pediátrico.
METODOLOGIA
Estudo elaborado a partir de uma revisão narrativa da literatura, de natureza qualitativa, envolveu a busca de estudos nas bases de dados Scielo, Lilacs e Pubmed. O processo de coleta do material foi realizado de forma não sistemática, entre janeiro e fevereiro de 2021.
A revisão procurou descrever e discutir o “estado da arte” do tema proposto, a partir de uma leitura profunda, completa e crítica das literaturas científicas selecionadas. Este tipo de estudo contribuiu com o debate da temática, levantando questões importantes e auxiliando no agrupamento de informações atualizadas sobre o tema.
Os descritores utilizados foram “infecções por coronavirus” e “crianças”, combinado ao operador booleano “and”, a fim de obter uma maior relação entre os temas e aprimorar a qualidade da busca e dos achados de estudos sobre o tema. Foram excluídos os estudos que se limitavam a tratar de temas gerais que não diziam respeito ao propósito deste estudo.
Os materiais foram selecionados intencionalmente, lidos na íntegra, categorizados e analisados criticamente.
DISCUSSÃO
Em detrimento da dinamicidade das informações disponíveis sobre a Covid-19 e suas manifestações clínico-epidemiológicas, tentamos, com este estudo, reunir informações atualizadas e de interesse para a comunidade científica acerca da Covid-19 em crianças.
CATEGORIA 1
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA COVID-19 EM CRIANÇAS
Os sinais e sintomas da Covid-19 presentes em crianças variam dos mais leves e comuns aos mais graves, podendo, também, as crianças serem assintomáticas.5 Estudos apontaram que os sintomas leves mais comuns (1%-5%) em crianças com Covid-19 foram febre, tosse, coriza, falta de ar, mialgia, fadiga e irritabilidade. 6,3,4,1,7 A insuficiência respiratória aguda é menos frequente na pediatria, porém, quando presente, se manifesta de maneira menos grave quando comparamos com crianças menores (inferior a três anos) e adultos. Manifestações cutâneas, sem sintomas respiratórios, também foram encontradas em crianças que testaram positivo para Covid-19.8 Tais manifestações podem estar atreladas às interações medicamentosas e às reações adversas provocadas pelo uso de determinados fármacos.5
Diarreia, anorexia, vômitos, náuseas, dor abdominal e sangramento gastrointestinal são os sinais e sintomas gastrointestinais mais frequentes nos casos graves de Covid-19, podendo afetar 3% a 79% das crianças, adolescentes e adultos.6,7
Os recém-nascidos apresentam maior potencial de adoecimento e de gravidade quando comparados com crianças maiores de três anos. Crianças menores de um ano estão mais vulneráveis ao SARS-COV-2 7 com evolução, em alguns casos, para a síndrome inflamatória multissistêmica em crianças (MIS-C) e a doença de Kawasaki (DK). As crianças com DK evoluem com febre por mais de cinco dias e pelo menos quatro dos sinais e sintomas são: exantema, conjuntivite, alterações orais, edema de mãos ou pés e adenomegalia ≥ 1,5 cm de diâmetro. Já as crianças que evoluem com quadros graves de MIS-C apresentam sintomas relacionados à disfunção multiorgânica e elevados níveis séricos de marcadores inflamatórios, além da febre persistente (febre superior a três dias). 9,1
Quadros mais graves de Covid-19 podem ocorrer em crianças portadoras de comorbidades como doenças crônicas pulmonares, neuromusculares, cardíacas e genéticas, assim como nas imunossuprimidas.6
CATEGORIA 1.1:
COVID-19 NEONATAL
Na China, acredita-se que um recém-nascido foi infectado ainda intraútero, tendo em vista que, imediatamente após o parto, foi detectada nele a presença de elevados níveis séricos de anticorpos IgG e IgM para SARS-COV-2, mesmo tendo nascido com boas condições vitais e sem sintomas respiratórios. Os resultados da reação em cadeia da polimerase – transcriptase reversa (RT-PCR) de coletas de swab de soro, nasofaringe, leite materno e secreções vaginais foram negativos.5
A transmissão horizontal pela mãe e pelas pessoas próximas que auxiliam nos cuidados do bebê é uma possibilidade, em virtude de resultados IgM falso-positivos existentes. Fica a ideia de que é insuficiente afirmar a existência da transmissão da Covid-19 por via transplacentária.
Quanto ao aleitamento materno, não há evidências de presença do SARS-COV-2 no leite materno, reforçando que as mães devem amamentar seus filhos, seguindo as medidas de proteção: uso de máscara e lavagem das mãos com água e sabão e álcool a 70%.5
CATEGORIA 2:
DIAGNÓSTICO DA COVID-19 EM CRIANÇAS
A avaliação clínica sempre será a mais importante ferramenta diagnóstica. Assim, os exames de imagem e os exames laboratoriais são importantes para o alcance do diagnóstico e a orientação adequada das estratégias de promoção da saúde e de prevenção de agravos.
O exame laboratorial recomendado pelo Ministério da saúde (MS) para o diagnóstico seguro da Covid-19 em pacientes sintomáticos entre o terceiro e o sétimo dia da doença, ou até o oitavo dia dela, é o teste molecular RT-PCR para a detecção do vírus SARS-COV-2 em mucosas e secreções respiratórias de pacientes suspeitos. Até o momento, é o único teste de escolha para o diagnóstico seguro da Covid-19.1,10
Quanto aos exames de imagem, Rabha et al., 2020, avaliou 115 crianças com diagnóstico de Covid-19. 69 delas realizaram radiografia de tórax e seis realizaram tomografia de tórax.7 As radiografias de tórax evidenciaram imagens alteradas em cerca de 45% das crianças. Para as que realizaram a tomografia de tórax, os achados clínicos foram sugestivos de pneumonia.
No estudo de Safadi, 2020, para as crianças diagnosticadas com Covid-19 submetidas ao exame radiológico, 1/3 delas apresentou opacidade bilateral em vidro fosco.3 As alterações foram observadas também em imagens da TC de tórax de crianças assintomáticas, reforçando a importância de associar as manifestações clínicas aos exames de imagem e laboratoriais, na tentativa de poder diagnosticar precocemente a pneumonia por Covid-19 e evitar complicações.
CATEGORIA 3:
TRATAMENTO DAS CRIANÇAS COM COVID-19
No momento, não existem medicamentos específicos direcionados para o tratamento da SARS-CoV-2. Estudos e recomendações acerca da terapêutica medicamentosa vêm crescendo, o que implica a necessidade de os profissionais de saúde buscarem constantemente atualizações e recomendações sobre o manejo clinico da Covid-19 em crianças.5
Para o tratamento da Covid-19 leve em crianças, ficam recomendadas a ingestão de líquidos e uma boa nutrição. As crianças costumam apresentar um quadro de síndrome gripal, podendo, às vezes, ser acompanhado de distúrbios gastrintestinais.3,1 As crianças deverão seguir isolamento domiciliar e deverão ser reavaliadas e monitoradas, caso haja o aparecimento de complicações. Recomenda-se que o isolamento domiciliar para crianças sintomáticas perdure por 10 dias, a partir do início dos sintomas e com três dias de melhora dos mesmos. Para as assintomáticas, indica-se um período mínimo de 10 dias após a realização do exame diagnóstico.5
Algumas crianças podem evoluir com quadro de insuficiência respiratória aguda grave, cianose e sinais clínicos associados ao choque, daí a necessidade de uma boa reavaliação profissional, a fim de que o manejo clínico seja eficaz e resolutivo, evitando o óbito precoce.1 As crianças que evoluem com quadros mais graves da doença devem ser hospitalizadas e receber todo o suporte clínico assistencial necessário, que vai desde a oxigenoterapia, por meio de suporte ventilatório invasivo ou não, até o suporte hídrico e eletrolítico, antibioticoterapia e corticoterapia, quando houver indicação.5
As crianças hospitalizadas com quadros graves da doença devem estar sob monitoramento para pneumonia bacteriana e demais infecções secundárias, através de culturas e outros exames microbiológicos e de controle clínico.10
Segundo Rabha et al., 2020, em um hospital de São Paulo, as crianças acometidas com Covid-19 foram tratadas com antibióticos em monoterapia, sendo que os antibióticos mais usados foram Azitromicina, Ceftriaxona, Amoxicilina com Clavulanato, Cefuroxima, Claritromicina e Levofloxacino respectivamente.7
Em detrimento da quantidade reduzida de casos graves em crianças, não há, no momento, uma terapêutica direcionada para tratar crianças, assim como estão fazendo com adultos.5,3,10 O que se sabe é que os antivirais devem ser utilizados nos casos graves da doença, sendo a droga de escolha o Remdesivir, quando os benefícios de usá-lo superam os riscos para casos graves da doença. As crianças que evoluem com quadro de MIS-C, e que atendem aos critérios para a doença de Kawasaki, devem ser tratadas com altas doses de imunoglobulina intravenosa e anticoagulantes, seguindo as recomendações vigentes. Nos casos de maior gravidade, associados a um quadro inflamatório persistente, a terapia com corticosteroide deve ser considerada.5
Exames laboratoriais devem ser realizados para monitorar possíveis complicações e orientar a terapêutica adequada disponível. Embora não exista um padrão laboratorial que direcione condutas clínicas, a sintomatologia e a avaliação clínica acurada da criança doente devem ser fundamentais junto à interpretação dos achados laboratoriais e manejo terapêutico.1,10
Os marcadores laboratoriais comuns são hemograma, proteína C reativa, procalcitonina, enzimas hepáticas, enzimas musculares e D-dímero.1,1
CATEGORIA 4:
PROGNÓSTICO DE CRIANÇAS COM COVID-19
Infecções por SARS-Cov-2 em crianças são menos frequentes que em adultos e apresentam um prognóstico melhor.5 As razões para isto ainda não estão bem esclarecidas.
Sabe-se que o prognóstico em crianças maiores de três anos é melhor que em crianças muito pequenas, uma vez que a gravidade do quadro clínico da Covid-19 se apresentou maior em crianças mais novas. A maioria das crianças infectadas desenvolveu sintomas leves da doença, limitados a sintomas gripais comuns para a faixa etária.5,7
Crianças que apresentam comorbidades estão sob um risco maior de desenvolver a forma grave da Covid-19 e, assim, necessitar de tratamento especializado em Unidades de Terapia Intensiva.5,3,6
CONCLUSÕES
Desde o surgimento da pandemia, comunidades científicas do mundo inteiro fomentaram estudos que pudessem trazer respostas para o tratamento específico da SARS-COV-2 e, assim, alcançar um manejo clínico adequado para a doença.
Pesquisas em torno de uma vacina com alto poder de eficácia e proteção se tornou uma demanda urgente. Para as crianças, a vacina se encontra em fase de testes, ficando a comunidade pediátrica à espera. O reforço das medidas de prevenção, que incluem o uso de máscaras, lavagem das mãos e o distanciamento social como formas de proteção, é o que temos de eficiente hoje.
Necessitamos de estudos que tragam achados específicos acerca das manifestações clínicas e do manejo clínico da SARS-COV-2 em crianças, a fim de tornar possível conduzir o público infantil com mais segurança, minimizando complicações e evitando desfechos fatais.
REFERÊNCIAS
1. Fiocruz. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. COVID-19 e Saúde da Criança e do Adolescente [internet]. 2020 [cited 2021 Feb 9]; sn; 1-67. Available from: < https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencaocrianca/covid-19-saude-crianca-e-adolescente>.
2. Uzunian A. Coronavírus SARS-CoV-2 e Covid-19. J. Bras. Patol. Med. Lab. [Internet]. 2020 Ago [cited 2021Jan 19]; 56:e3472020. Available from:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S167624442020000100051&lng=en>.https://doi.org/10.5935/1676-2444.20200053 .
3. Safadi MAP. As características intrigantes da COVID-19 em crianças e seu impacto na pandemia. J. Pediatr. (Rio J.) [Internet]. 2020 Jun [cited 2021 Jan 21]; 96 (3): 265-268. Available from:< http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021-75572020000300265&lng=en>.https://doi.org/10.1016/j.jped.2020.04.001.
4. Ludvigsson JF. Systematic review of COVID-19 in children shows milder cases and a better prognosis than adults. Acta Paediatr. [internet] 2020 Jun [cited 2021 Jan 21]; 109(6):1088-1095. Available from:< https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32202343/>. doi: 10.1111/apa.15270.
5. Yamamoto L et al. Infecções por SARS-CoV-2 com ênfase em pacientes pediátricos: uma revisão narrativa. Rev. Inst. Med. trop. S. Paulo [Internet]. 2020 [cited 2021 feb 15]; 62:e65. Available from:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0036-46652020000100406&lng=en>. https://doi.org/10.1590/s1678-9946202062065 .
6. Oba JCWB et al. Manifestações gastrointestinais e terapia nutricional durante a pandemia de COVID-19: um guia prático para pediatras.[Internet]. 2020 [cited 2021 Feb15];18:eRW5774. Available from:< http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-45082020000100405&lng=en>. https://doi.org/10.31744/einstein_journal/2020rw5774.
7. Rabha AC et al. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM COVID-19: RELATO DOS PRIMEIROS 115 CASOS DO HOSPITAL INFANTIL DO SABARÁ. Rev. paul. pediatra. [Internet]. 2021 [cited 2021 Feb 15]; 39: e2020305. Available from:< http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-05822021000100445&lng=en>. https://doi.org/10.1590/1984-0462/2021/39/2020305 .
8. Castro HRC et al. COVID-19 “La Piel Se Expresa” Comportamiento en la Población Pediátrica. Acta Pediátrica Hondureña [internet]. 2020 Sep [cited 2021 Feb 15]; 11(1): 3-7. Available from:< https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1140364>.
9. Farias ECF et al. SÍNDROME INFLAMATÓRIA MULTISISTEMÁTICA EM CRIANÇA ASSOCIADA À DOENÇA DE CORONAVIRUS 19 NA AMAZÔNIA BRASILEIRA: RESULTADO FATAL EM UM BEBÊ. Rev. paul. pediatra. [Internet]. 2020 Aug [cited 2021 Feb14]; 38:e2020165. Available from:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-05822020000100611&lng=en> . https://doi.org/10.1590/1984-0462/2020/38/2020165 .
10. Brasil, Ministério da Saúde. ORIENTAÇÕES PARA MANEJO DE PACIENTES COM COVID-19. [internet]. 2020 Jun [cited 2021 Feb 22]; sn:5-44. Available from:< https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/June/18/Covid19-Orientac--o--esManejoPacientes.pdf>.